Médico de Alcaçuz que recomendou protocolo de medicamentos e disse que não perdeu nenhum detento para o COVID é questionado por associação
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Depois das declarações do médico Lionaldo Duarte, clínico da Penitenciária Estadual de Alcaçuz, de que utiliza ivermectina para tratar precocemente covid-19 entre os presos, a Rede Potiguar de Apoio à Pessoa Privada de Liberdade Egressa e Familiares do Sistema Penitenciário (Raesp) solicitou, por escrito, uma posição do titular da Secretaria Estadual de Administração Penitenciária (Seap), Pedro Florêncio Filho, sobre a compra e uso de medicação sem comprovação científica para experimentação biomédica entre os detentos, sem conhecimento da Secretaria.
“O médico chegou a colocar durante a entrevista que Alcaçuz foi um ‘case’ de sucesso. Com isso ele vai inferir que, se lá dentro fez o teste e ninguém morreu, quer dizer que, aqui fora, todo mundo pode tomar. Mas, sabemos que a Organização Mundial da Saúde, a Associação Nacional de Infectologia e a de Farmacologia proibiu o uso de ivermectina como tratamento profilático para covid-19”, denuncia Francisco Augusto Cruz Araújo, Coordenador Geral da Raesp/RN.
Ao longo da entrevista, concedida a uma rádio de Natal, o médico que atua em Alcaçuz também afirmou ter autorização para realizar a “pesquisa” entre os presos com a administração do remédio, normalmente, utilizado no tratamento de piolho e pano branco, para prevenir e tratar a covid-19.
Diante da afirmação, o Comitê Estadual de Prevenção e Combate à Tortura do Rio Grande do Norte – CEPCT/RN também questionou em ofício a Seap, o prefeito de Nísia Floresta, Daniel Gurgel, e a Secretária Municipal de Saúde de Nísia, Lidiane Rodrigues, sobre qual o protocolo médico autorizado no presídio. O Comitê também pediu a instauração de procedimento administrativo para apurar a conduta do médico:
“É muito grave a utilização de presos para experimento científico porque eles não são ratos de laboratório. São pessoas que cometeram crimes, foram julgados pela justiça e estão cumprindo suas penas. Existe um protocolo próprio para realização de pesquisas dentro de espaços prisionais. Como a população prisional é extremamente estigmatizada, tanto faz para a sociedade de uma maneira geral que sejam feitos testes nessa população, que essas pessoas sofram riscos, o que aumenta o risco de adoecimento nos espaços prisionais”, adverte Francisco Augusto.
No Rio Grande do Norte, não foi registrado nenhum óbito por covid-19 dentre as mais de oito mil pessoas presas, segundo a Secretaria de Administração Penitenciária e o Monitoramento realizado pelo Conselho Nacional de Justiça.
“A Seap tem um setor específico para receber pedidos de realização de pesquisas. O que o médico fez passa longe de pesquisa científica, é um experimento próprio de uma convicção que ele tem a partir de sua concepção ideológica. Esse é o problema! Porque como o médico é o profissional autorizado para determinar o tratamento na prisão, ele utiliza seu viés ideológico para implementar o protocolo a uma população que não pode recusar. Aqui fora, posso dizer: não, não quero! Aí fica a questão, até onde vai o poder que o médico tem? A Seap, provavelmente, não tem conhecimento desse tipo de experimento, nem é recomendação da Secretaria fazê-lo”, alerta o Coordenador Geral da Raesp/RN.
Além de pedir um posicionamento oficial sobre a questão, a Raesp também vai enviar um ofício ao Ministério Público Federal solicitando que a entrevista seja analisada para verificação de algum tipo de conduta irregular
“É uma violação à dignidade humana, temos visto as consequências do uso de remédios para tratar covid-19 onde os pacientes têm apresentado graves sequelas”, critica Francisco Augusto, numa referência aos pacientes que tiveram complicações depois do uso do “kit covid” para tratamento precoce da covid-19. Alguns pacientes entraram para lista de transplante por comprometimento de órgãos danificados pelo excesso de medicamentos.
Saiba Mais – Agência de Reportagem